Comercialização de Caracóis

Caracóis
O negócio do petisco de Verão

(artigo de Mariline Alves)

Vêm de Marrocos às toneladas para satisfazer o apetite dos apreciadores. O negócio de importação de caracol prospera – os animais comprados por 80 cêntimos o quilo em África chegam à mesa dos cafés a um preço 16 vezes superior. O mau tempo de Junho diminuiu o consumo e a escassez da produção fez disparar os preços

Para um apreciador de caracóis, o nome Souk el Arba du Gharb não dirá grande coisa. No entanto é desta localidade marroquina, situada 200 quilómetros a sul de Tanger, que vem grande parte dos caracóis consumidos nos cafés portugueses. É aí que Francisco Caetano, o maior importador de caracóis português, tem um armazém próprio, que envia 60 toneladas de gastrópodes por semana para a sede da empresa Francisco Conde, situada na zona da Quinta do Conde, na Margem Sul do Tejo.

O sucesso de Francisco Caetano no negócio da importação deu-lhe o epíteto de ‘Rei do Caracol’. A empresa que criou em 1991 está hoje dividida em quatro subsidiárias, todas com o nome Francisco Conde – Marrocos, Transportes, Import/Export e Francisco Conde II, que inclui oito lojas de venda ao público. O grupo dá emprego a 34 trabalhadores e só as empresas de importação e de comercialização têm uma facturação anual de cerca de um milhão de euros cada, tudo graças aos caracóis.

Este ano o negócio está mais fraco, tudo por causa dos (maus) humores do clima. “Em Marrocos choveu pouco no início da Primavera e os caracóis não se desenvolveram suficientemente. Há poucos e são mais pequenos. Por outro lado, as vendas em Portugal baixaram por causa do mau tempo que se verificou em Junho. O calor faz subir o consumo e, como houve muitos dias de chuva, registou-se uma quebra na procura.”

No início de Junho Francisco importava 100 toneladas de caracóis por semana, mas viu-se obrigado a reduzir para 60 toneladas. À medida que os caracóis vão escasseando – até ao final de Agosto a apanha vai-se reduzindo gradualmente – os preços aumentam e os consumidores têm de desembolsar mais pelo petisco.

É esse é o motivo que tem levado ao aumento de preço das travessas de caracóis nos cafés e restaurantes – há estabelecimentos onde uma travessa chega a custar dez euros e o preço poderá até agravar-se até Agosto, o último mês em que são vendidos.

Os animais são comprados em Marrocos a preços que oscilam entre os 80 e os 1,5 euros por quilo. O preço de revenda para os lojistas e restaurantes pode chegar aos 3 euros. Nos restaurantes, uma travessa de 300 gramas não custa menos de quatro euros, o que significa que um quilo fica por volta dos 13 euros. Ou seja, o preço dos caracóis aumenta mais de 16 vezes desde a primeira transacção até chegar ao prato dos consumidores. Um negócio lucrativo, que tem como único inconveniente o facto de só durar nos meses de calor: desde o final de Abril até ao princípio de Setembro.

Francisco Caetano não tem qualquer dificuldade em escoar as suas importações. O armazéns frigoríficos da Francisco Conde, com capacidade para 150 toneladas de caracóis, estão pela metade, mas já têm comprador certo: “Vendo caracóis desde Vila do Bispo a Vila Real. Tenho sempre clientes certos porque vendo um produto de qualidade, no qual as pessoas confiam.”

Os caracóis da Francisco Conde são apanhados em várias partes de Marrocos. No armazém de Souk el Arba du Gharb são feitas regularmente análises sanitárias para garantir a qualidade dos animais. Transportados vivos até Portugal em camiões frigoríficos, os caracóis são fiscalizados pelas autoridades sanitárias em Tanger e em Algeciras (Espanha).

Francisco Caetano garante que cumpre todas as regras de higiene e aponta o dedo à deficiente fiscalização da venda em Portugal: “Investi milhões de euros em instalações e máquinas para garantir a qualidade do meu produto, mas vejo frequentemente vendedores ambulantes a comercializarem caracóis à beira da estrada, sem o mínimo de condições. Não usam câmaras frigoríficas e muitos animais estão mortos, o que é um perigo para a saúde.”

O empresário lançou-se no negócio dos gastrópodes no início dos anos 90 por causa de um problema de saúde. “Tinha uma cervejaria, mas fui obrigado a deixá-la por recomendação de um cardiologista. Sofri uma congestão muito grave e fiquei com o sistema nervoso completamente descontrolado. Não aguentava trabalhos que implicassem stress e fui obrigado a mudar de ramo.” Francisco Caetano começou por vender batatas e produtos hortícolas com a mulher, Maria Pureza, que ainda hoje o acompanha na empresa.

A venda de caracóis começou por ser mais uma experiência de negócio, mas em breve Francisco Caetano percebeu que a escassez do produto em Portugal favorecia o negócio da importação. A empresa prosperou e hoje toda a família está envolvida. Os dois filhos do casal trabalham na Francisco Conde e um deles está em Marrocos a gerir a sucursal da empresa no país africano. Com três camiões de grande porte, várias carrinhas de distribuição e um armazém dotado de câmaras frigoríficas e várias máquinas que facilitam o processo de lavagem, selecção e embalagem dos animais, a empresa é um caso de sucesso.

Um dos clientes de Francisco Caetano é Vasco Rodrigues, proprietário do restaurante O filho do menino Júlio dos Caracóis, nos Olivais, Lisboa. É uma das casas mais afamadas da capital para provar o petisco e os clientes chegam de todas as partes: “Tenho um senhor que chega a vir de França de propósito para vir comer caracóis”, garante Vasco Rodrigues, que se mantém ao leme do restaurante fundado pelo pai há mais de 50 anos.

O proprietário admite que compra os caracóis a um preço mais elevado do que em anos anteriores, mas optou por não aumentar o custo para os seus clientes.

CADA PRATO CUSTA 4,5 EUROS

Vasco diz que o tempo chuvoso que se fez sentir em Junho prejudicou o negócio: “Estamos muito dependentes dos dias de calor. Nota-se logo a diferença, as pessoas comem muito mais caracóis.” Ele e a irmã, que tem um restaurante aberto em Moscavide, são os guardiões de um segredo familiar que não revelam a ninguém: a receita do pai, Júlio, que inventou um molho irresistível para o petisco. Os ingredientes podem ser provados, mas nunca revelados.

Do outro lado da cidade, Beatriz Pinto e a filha, Carina Figueiredo, deliciam-se com uma travessa de caracóis no bar O Pescador, em Benfica. Sem fazer ideia de que os bichos que comem vêm de países como Espanha ou Marrocos, gabam-lhes a qualidade. “Costumo cozinhá-los em casa, mas aqui a receita também é muito boa”, diz Beatriz.

Ao balcão os amigos Vítor Ribeiro e Joaquim Gomes entabulam a conversa com um pires de caracóis. Mais conhecedores da origem dos bichinhos, sabem que a maior parte deles vem de Marrocos, mas Joaquim diz preferir os portugueses: “Os mais saborosos são os de Santarém, que vivem no campo e se alimentam de fenos.”

O dono do bar é José Pedreira, ‘o Pescador’. Compra os caracóis em Benfica, “a um fornecedor de há muitos anos”. Os animais vêm de Espanha mas, contrariamente ao que diz a lei, não trazem rotulagem. “É estranho que assim seja porque todos os outros produtos alimentares têm a indicação da origem, indicando a data da apanha”.

Compra-os a 2,5 euros o quilo e vende pratos a 3,5 euros e travessas a cinco euros, os mesmos preços do ano passado. José Pedreira garante que não vai alterar o menu até ao fim da época, apesar de admitir que os vai comprar cada vez mais caros nas próximas semanas.

Com o calor a chegar finalmente neste início de Julho, os comerciante esperam recuperar nas próximas semanas o fraco rendimento do mês passado.

REI DOS 'CARACÓIS'

Francisco Caetano começou a importar caracóis em 1991 e hoje é o maior empresário do ramo. Tem quatro empresas dedicadas aos animais

ARMAZÉM COM MARROCOS

Um dos filhos do empresário gere a sucursal da empresa em Marrocos, onde são comprados os animais exportados para Portugal

PARA TODO O PAÍS

A empresa vende caracóis de norte a sul de Portugal, mas o grosso dos consumidores está na zonas a sul do Tejo, onde há mais tradição deste petisco

"É PRECISO PROTEGER OS RECURSOS"

A apanha de caracóis nos campos foi há muito ultrapassada pelas importações de países como Espanha, Marrocos ou Tunísia. Hélder Spínola, líder da associação ambientalista Quercus, diz que as espécies que vivem em meio selvagem que são comercializadas em Portugal não garantem a sustentabilidade do mercado. “O Estado deveria proteger os recursos naturais, como é o caso do caracol, com mais cuidado. Não existe fiscalização desta actividade em Portugal e era importante que isso acontecesse. Não há limites em relação às quantidades que podem ser apanhadas.”

Spínola alerta ainda para o risco da contaminação dos animais por pesticidas: “Há muito pouca informação sobre o uso de químicos nos campos.”

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