Há quem não entenda a paixão. Outros desconhecem o sabor. Alguns não podem ouvir o nome sem sentir náusea. O facto é que caracóis rimam com Verão, e as estimativas apontam para o consumo de 42 mil toneladas por ano em Portugal.
Criação de caracóis |
Uma caracoleta bebé tem o tamanho da ponta de um alfinete e pesa 0,032 gramas. No primeiro mês, tem predilecção pela couve-nabo, mas logo passa a devorar "farinha" - uma ração que mistura proteína, gordura, cinzas, cálcio e fósforo, além de vitaminas, como a E e a D3. As caracoletas de criação dividem o metro quadrado com outras 300, em canteiros de 44 metros onde coabitam 60 mil. No Verão levam quatro meses a crescer, a chegar ao ponto da reprodução ou da panela. No Inverno, o ciclo dura seis meses. Mesmo em viveiro, muitas são as ameaças à vida de uma caracoleta: o pulgão das couves, os pirilampos, os grilos, as moscas, os ácaros, os pássaros gaios ou as ratazanas. Há que combatê-los a cada 15 dias com a aplicação de agrotóxicos. Notívaga, a espécie Hélix aspersa máxima adora água e ganha seis regas por dia. No mundo das caracoletas, a temperatura média é de 25 graus e a humidade ideal, de 70%.
"As caracoletas podem ser retiradas quando o rebordo está formado. Ou seja, está rijo, com cor e textura diferenciada do restante da casca. São colhidas uma a uma e passam quatro dias na purga, em que não são alimentadas e libertam líquidos de modo a garantir a sua higiene e qualidade. Então, elas reduzem os batimentos cardíacos e entram em estivação no Verão e hibernação no Inverno. Podem estar um mês nesta condição, e nessa altura pesam em média 24 gramas", explica Ana Ferreira, proprietária da Active Garden.
Os amigos riram-se quando Daniel Oliveira, então a cursar Engenharia Alimentar, confessou o sonho de criar caracóis. Ignorou-os, e nos últimos anos da faculdade dedicou--se a pesquisar sobre estes animais. Concluiu o curso com uma monografia sobre o tema e conquistou a mulher para o negócio. No princípio de 2009, instalaram a Active Garden em Merceana (perto de Torres Vedras). "A proximidade do mar, o vento e o solo arenoso da região são bons para a criação do caracol. A espécie que criamos é conhecida como 'caracoleta'. Em Portugal não há criação dos 'caracolinhos', os pequeninos e mais consumidos, estes são selvagens e vêm de Marrocos. A perda no cultivo é de cerca de 30%. Além do espaço necessário para se criar o caracolinho, é um investimento que não faz sentido", aponta Daniel.
A maior parte da produção nacional de caracoletas é exportada para a França e a Espanha, onde é aproveitada também pela indústria alimentar, vendida já cozida ou em preparados como o paté. "A caracoleta é um alimento e estamos preocupados com a sua qualidade, fazemos análise externa laboratorial de cada lote a ser comercializado, para além de análises regulares da água e do solo. Planeamos produzir os bebés e introduzir produtos como o caviar de caracol, muito apreciado na França", planeia Daniel Oliveira.
Entre a colocação dos bebés no canteiro e a sua colheita, as tarefas num campo de caracoletas exige atenção diária. A vida dos criadores passa-se entre a rega, a distribuição da farinha, o plantio da couve, a conservação da estufa... Ana diz sofrer quando encontra um bicho morto, e garante não sossegar até descobrir o motivo. Confessa saboreá-los em qualquer altura do ano. "Preparo caracoleta de cebolada. Depois de lavadas e cozidas, retira-se da casca e refoga-se com cebola, chouriço e cogumelos, a acompanhar por batatas fritas. Ou então arroz de caracoletas", sugere.