O segredo no negócio dos caracóis

Crise também chegou ao mundo dos petiscos, num sector dominado pela importação de caracóis e caracoletas do Norte de África
caracoles e caracoletas
Este negócio está dominado pela importação de
caracóis e caracoletas do Norte de África
Os portugueses nem sequer deram por nada, mas na verdade este Verão correu o sério risco de não ser tão soalheiro como os anteriores. O caracol, o petisco estival de eleição nacional (pelo menos a sul do rio Mondego), teve a sua produção ameaçada este ano e a sua época podia nem sequer ter aberto este ano em Portugal.
O reino de Marrocos é onde são produzidos a maior parte dos caracóis e caracoletas presentes nas mesas portuguesas e dois acontecimentos recentes no país do norte de África podiam ter ensombrado este Verão: A falta de chuva no início da primavera e a celebração do mês de jejum dos muçulmanos, o Ramadão.
“Foi um ano atípico na produção de caracóis. Um mau ano por causa do Ramadão e do tempo”, afirma Ricardo Alves, gerente da Beta Caracóis, uma empresa revendedora que também exporta para Espanha e França. “O Ramadão teve início a 18 de Julho e termina na próxima segunda-feira, e durante o dia a maior parte do dia a população não trabalha”, explica.
“O caracol é todo apanhado de forma selvagem, não passa por estufas ou viveiros como muitas pessoas pensam, e depende também das condições climatéricas da altura. E este ano não choveu quando devia chover, o que originou uma fraca produção", revela o responsável.
Ricardo Alves explica também o porquê das empresas revendedoras importarem os caracóis: “Portugal não produz em quantidade suficiente nem para o seu mercado interno e muito menos para exportação”.

Marrocos também é o local de origem dos caracóis servidos na mítica casa alfacinha Júlio dos Caracóis na rua Vale Formoso de Cima, em Marvila, mas a produção nacional também tem lugar marcado à mesa. “Neste momento estamos a comprar metade dos caracóis vindos de Marrocos e a outra metade de Santarém. Estamos a comprar duas qualidades porque como já estamos no fim da época, os marroquinos já não estão a 100%”, adianta Vasco Rodrigues, dono do restaurante fundado pelo seu pai em 1958.
Também na cervejaria Novo Dia, em plena Avenida da Igreja, Alvalade, os caracóis servidos são exportados, conforme explica António Castro, sócio-gerente. “A maior parte vem do norte de África, de Marrocos”.
Para tentar combater a importação dos moluscos gastrópodes, nome técnico do caracol, foi criada no início deste ano a HelixCoop, uma cooperativa de produtores de caracoletas, na Atalaia, Lourinhã. “Neste momento são 19 produtores de várias regiões do país”, diz a delegada-presidente da cooperativa.
Os produtores sentiram a necessidade de se juntarem como forma de combater a importação do produto, revela Mónica Faria. “Quisemos ser pioneiros e tentámos por um bocadinho de tino no mercado. Por enquanto este ainda é muito controlado pelos revendedores e muitos deles trazem a caracoleta do Norte de África, de países como Marrocos”.
É verdade que em Portugal só se comem caracóis e caracoletas abaixo do Mondego? Mónica Faria acredita que sim e a sua teoria é confirmada pelos números das vendas: "Só vendemos na região entre Leiria e Setúbal".
Recessão chega à mesa dos portugueses
Mas há males que vêm por bem e foi este o caso da Beta Caracóis, revendedora com lojas em Almada e na Costa da Caparica. A empresa familiar, que conta com três gerações na sua liderança, não tem sentido a crise de forma particularmente agressiva e este ano o Ramadão e a falta de chuva até foram oportunos e acabaram por ajustar a oferta à procura. “Como houve muito menos quantidade do que no ano passado, escoamos o produto todo”, explica Ricardo Alves, destacando que as encomendas da empresa são feitas antecipadamente com base nas vendas dos anos anteriores.
Nos últimos anos a revendedora tem vendido em média 12 toneladas de caracóis e caracoletas por semana, durante o Verão.
A recessão também se tem feito sentir no Júlio dos Caracóis, mas a menor despesa dos clientes leva a um aumento da rotatividade das mesas, o que acaba por equilibrar as contas no final do dia. “A única coisa que eu noto é que as pessoas gastam menos dinheiro. Em relação ao movimento, há dias melhores e outros piores. Como temos muitos clientes, isto vai compensando. Se o cliente dantes gastava 60 euros, agora gasta 30. Antes gastava 100, agora gasta 60. Mas sai uma mesa e entra logo outra e no final do dia em vez de servirmos 100 clientes, servimos 200 com os valores a serem próximos, se bem que um pouco mais baixos”, explica Vasco Rodrigues.
Também no Novo Dia a crise tem-se feito sentir e António Castro revela que o ano tem sido particularmente duro: “Este ano a quebra foi de 50%”. Uma das causas apontadas para esta quebra, além da recessão, tem sido a falta de lugares ou de parques para estacionar o automóvel na zona: “Há pouco estacionamento, à hora de almoço uma pessoa dá três, quatro voltas ao quarteirão e nada.”
Mas a austeridade que se vive em Portugal pode ser uma oportunidade de negócio, defende Ricardo Alves: "O que é mau para uns é bom para outros. As pessoas que não puderam ir para o Algarve ou para fora, ficam em casa e investem noutras coisas como caracóis, gambas ou peixe. As pessoas não podem estar completamente fechadas e os petiscos são uma boa forma para passar o Verão."


Alguns dos melhores sítios para se comerem caracóis e caracoletas:

- O Filho do Menino Júlio dos Caracóis: Rua Vale Formoso de Cima, 140 B, Marvila, Lisboa
- Novo Dia: Avenida da Igreja, 22, Alvalade, Lisboa
- Eduardo das Conquilhas: Rua Capitão Leitão, 8, Parede
- Lagoa Azul, Avenida D. João, 10 A, Almada
- Palácio, Rua Prior do Crato, 142, Alcântara, Lisboa
- Tico-Tico, Avenida Rio de Janeiro, 19/21, Alvalade
- Casa dos Caracóis, Rua Morgado de Setúbal, 51, Setúbal
- Casa dos caracóis, Largo D. Dinis, 15-C, Odivelas
- O Apeadeiro, Vale Formoso, Estrada Almancil-Loulé, Algarve
- Restaurante Palhaçinho, Largo Dr. Francisco Sá Carneiro, 15, Faro
Por André Cabrita Mendes

2 comentários:

Lilly disse...

Em Ponte De sôr existe uma casa de nome Bridge Bar que serve uns caracois muito bons.

Paulinha disse...

Lamento discordar mas actualmente ,não é só a sul do Mondego que se aprecia o petisco dos caracóis.
É petisco cada vez mais apreciado pelas ruas de Viseu. No entanto é muito difícil comprar caracóis vivos para fazer em casa.Há que levar de Lisboa!!

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